A noite estava calada, escura, mas dada, de aptitude
que ainda atualmente não sei qual a longitude
onde estivemos os dois, em tempo desconcentrado
num cenário à sorte, e só por acaso, achado.
Que desafio! De um lado, tudo serra, do outro, rio
silencioso, entusiasmado, doce, experimentado
resvalando em leitos de ternura, ora minha, ora tua
que a tortura dos nossos fortes desejos atiçava e galgava.
O carro, um BM escuro, abriu os braços complacentes
enquanto eu, inconsciente e em morte cerebral
me finava naquela rude paisagem, que tanto odiava
que nada me dizia, pelo contrário, me fustigava.
Ao invés de mim, havia no teu olhar luz a transbordar
em delírios cientes, que agitavam a foz, premente
ansiando pelos vaivéns com promiscuidade e virilidade
que te açoitavam a memória, a penetravam e ejaculavam.
Observaste-me, aparentemente, com paciência e avidez
analisando a consternação, que eu causei, talvez
esperando, porém, a satisfação dos anseios esperados
que te prometi em momentos transcendentais.
Não tinha por onde me safar, despertados os sentidos
estes iriam ordenar empenho e cumprimento total
e dessa maneira e base, angariaste-me toda só para ti
prendendo-me, afagando-me, sustendo-me, afagando-me.
Deixei-me levar como as águas incontidas e desatadas
numa caravela de medos, de ventos e segredos
enfrentando todos os riscos, marés violentas, perigos
não fosse ele arrombar o meu corpo, em bruto.
De nada valeu esta minha atitude, desgraçadamente
pois numa investida gananciosa e gesto abrupto
guardou-me, atou-me, enclausurou-me a sete chaves
no frenético e louco prazer do seu corpo, está bom de ver.
Os vidros das janelas do carro ficaram nulos e embaciados
tal como as minhas mãos suadas e afogueadas
de tanto massajarem o planalto do corpo dele, aluado
que parecia tarado, insaciável, descompensado.
O banco onde eu estava sentada, ficou vago e parvo
porque não compreendeu a minha fuga prevista
sem bússola, quadrante ou balestilha adequada, nada
que tudo lhe indicariam, com científica precisão e exatidão.
O banco do condutor metia tanto dó e pena, desgraçado
pois não sabia se aguentaria tamanha trepidação
com as voltas e reviravoltas de dois corpos esfaimados
num alheamento e cegueira abissal e paranormal.
Eu, por cima. Ótimo! Deste modo, já não via o cenário
que me desbotava o olhar e até mesmo o respirar
naquele ambiente, que não conhecia e que nada me dizia
mas, ao mesmo tempo, parecia-me apelativo e convidativo.
Sem eu dar por nada, fiz a inversão da minha posição
tendo agora que consolidar, o já conseguido
para que a confiança reinasse, decerto, e se instalasse
naquela magia, enlevo, desvelo e naquela sintonia.
O meu corpo, um templo, foi adorado e depois pilhado
de todas as roupagens, acessórios e miragens
e nem um átomo dos meus seios, a boca dele renegou
por os considerar altares sagrados, seus e não profanados.
Eu, agora, de estruturas descascadas e desanuviadas
esperava, aflita, as ferramentas apropriadas
para que fosse apreciada, invadida e entranhada
dando assim ocupação e satisfação, ao mentor da ação.
Furou o meu interior com a máquina dele, um primor
com frémito, impetuosidade e potencialidade
para cima e para baixo, para a frente e para trás
despetalando-me, sem dó nem alma, desventrando-me.
Este meu estado permitiu a entrada na infraestrutura
que, de facto, ficou mais segura e sossegada
sem dizer ai nem ui, como se estivesse anestesiada
estando mais do que pronta, para a mistura.
Contudo, e como não querias aplicar, logo, a tinta
ficaste a mirar os sinais na minha pele madura
sobretudo um, ao canto da boca, ali nascido, doçura
que destravou o teu cérebro, pondo-se logo, aumentativo.
A tinta com que irias inundar, estava quase no ponto
e perante tanto envolvimento e arrebatamento
o óleo do teu motor, destrambelhado para se renovar
já não foi capaz de se fazer estancar e de parar.
Alagada, inundada em quantidade, odor e qualidade
fiquei assustadíssima com tamanha chuvada
que, às golfadas, encharcaram a minha flor altruísta
dando à pintura, matizes e texturas de aspeto surrealista.
Tenho de dizer-te, de confessar-te, que fiquei desiludida
com o teu (a)normal e procedimento egoísta
pois nem esperaste por mim na tremenda desfilada
que queria regrada, serena, atenta e atempada.
Todavia, que poderia eu fazer, como deveria proceder
num ermo daqueles, tão longínquo e deserto
entre o céu e a terra, afastada de tudo e do mundo
sem nada poder dizer, executar, tomar posição e decisão.
Não liguem nada ao que eu digo, pois estive num paraíso
ouvindo palavras físicas, excitantes, sensoriais
falando a linguagem dos amantes, lânguida, devassa
que, não vos consigo transmitir, nem proferir
pois a dimensão da paixão, é aliciante, pura, vivificante.
Enquanto isto, ele idolatrava-me, absolutamente
esquecendo e abolindo tudo o que aqui tinha aprendido
fazendo de mim a mulher única, a mulher mais feliz
a sua musa, a sua ninfa, meretriz, deusa, a sua imperatriz.
CÉU