sexta-feira, 26 de outubro de 2018

CONTRADIÇÃO

Por favor, não me tragas mais penas e lágrimas!
As minhas são um mar de abundância e dor.
É inexplicável e cruel, amar-te tanto
e não te querer.
Sou, decerto, louca e contraditória
e já não tenho discernimento, nem cura.

O solo que piso é áspero, íngreme e desnivelado
(talvez como eu)
e o sol beija-me, sem pudor, o corpo nu
que entrego às palavras
indecifráveis, mudas, potentíssimas 
senhoras do seu destino
e por isso nunca sei onde vão parar e ficar.

Ah, amor! Se me cobrisses o corpo com beijos
e me abraçasses muito a alma
tal como quando entras nos meus sonhos!
Mas, nem tentes!
Mandar-te-ia embora, sem hesitar
(não me entendo)
e ficaria ali padecendo, de coração exposto.

As trevas e o sofrimento entraram-me na carne
e quando me firo, o sangue é negro
muito negro, quase da cor dos meus olhos.
Amar-te e não te querer
é tortura a que me dou, de propósito
(que estranho!)
porque gosto do sabor a fel
da agonia forte
do aperto no peito
da pungente angústia
e deste dilacerante desassossego na alma.

É, desta forma, que te quero, não te querendo
amando-te à distância, crudelíssima
imaginando-te no universo
bem longe de mim
para que tenha mais saudades de ti
purificando-me, pela vontade do desejo.

As palavras fogem-me, soltam-se, irreverentes
e de mim, acho, já se livraram todas
num ímpeto feroz, não sei.
Já não te consigo dizer o que sinto
que queria, apenas, não sentir
(não sentir, não me atormentar, não sofrer)
e apenas querer-te como te quero.


CÉU

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