segunda-feira, 10 de julho de 2023

CÂNTICO BRANCO

 "Vem por aqui" - digo-te, terna e mansamente

enquanto abro os braços, num vasto abraço

quase certa de que seria muito bom para ti

se me desses ouvidos, se me escutasses.


Quando te digo, docemente: "vem por aqui"

olhas-me, vaga e desprendidamente

(há, nos teus olhos, um mar de sargaços) 

enrolando os braços, vazios, desencontrados

e nunca vais por ali…


Julgas que a tua vitória, é, convictamente

gerar desentendimento, mágoa, sofrimento

não estender a mão a quem dela precise

porque tu vives nessa angústia, nessa dor

desde que abriste os olhos ao mundo, amor.


Dizes não, não vou por aí!

Só vais por onde te levam os teus pés…

e se quando perguntas, ninguém te responde

escusado será dizer-te, sempre, "vem por aqui"!



Assim, preferes cair nos becos enlameados

rodopiar nos ventos das destemperanças

dilacerares-te nas navalhas da insegurança

como um trapo, como um humano farrapo

a ires por ali…



Pensas que vieste a este mundo padrasto

para que uma mulher fosse desflorada

para espezinhares este árido chão

pois tudo o que fazes, afirmas, não vale nada.



Portanto, como poderão os outros, os tais

aconselharem-te meios, darem-te forças

para que possas derrotar o teu Adamastor?

Circula nas veias desses, sangue sem ideais

e esses gostam de situações fáceis

enquanto tu, adoras o Desconhecido, a Ilusão

a Aventura, a Viagem, que pode não ter volta.



É melhor que partam, que te deixem, pedes-lhes

pois eles têm casa, mesa, país e jardins sem fim

têm vontades, vaidades e alegrias mascaradas

têm leis obsoletas, apropriadas, intelectualizadas
 
enquanto tu possuis e preferes a tua Demência

que te faz sentir diferente, consciente e genuíno

nesta convenção, neste tratado, nesta aparência.



Só Deus e o Seu mas sábio anjo gerem a tua vida

somente a eles e a mais ninguém a entregaste

e só a eles cedes, e tão cegamente, obedeces 

pois todos os outros tiveram mães, tiveram pais

mas tu que acreditas, não ter princípio nem fim

como alguém inadaptado, fora do jogo, alheado

que nasceu do (des)amor entre o Bem e do Mal

suplicas, ciente, que ninguém te dê indicações

que ninguém te questione, te peça explicações

"Que ninguém te diga: "Vem por aqui"

porque a tua vida é um temporal, que se desatou

é uma vaga gigante e dantesca, que te abalroou

é algo muito pequenino, que se alvoroçou

e não sabes, por isso, por onde ir

e não sabes, por isso, para onde ir

mas sabes, por isso, que não irás por ali.

Então, e se assim é, fica comigo, aí ou aqui.



(Versão oposta ao poema "Cântico Negro" de José Régio)


CÉU

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