Não digas nada, por favor, amor! E aliás, nem precisas falar
pois tenho a certeza absoluta que procuras em mim
o lugar almejado e idílico, o paraíso perdido, qual Adão
mortinho, louco, prontinho a trincar a maçã do pecado
procurando nesse gesto a prometida e ambicionada salvação.
Meu corpo à vela, desamparado, sem mastros, desancorado
transborda em rios, ímpetos de prazer, apto a bolinar
que sei que sentes em ti, como se fosses tu o meu lume
que sei que sinto em mim, como se fosse meu o teu fogo
que me desnorteia e ateia com tanta intensidade e facilidade.
Sinto o calor da tua pele alastrando e irradiando pelo universo
como um sol que não parece quente, mas afinal queima
tal como brasas, esquecidas e adormecidas entre as cinzas
que anestesiam os sentidos, extasiados e direcionados
à nossa lareira íntima, aconchegante, em polvorosa e excitante.
A tua alma em chamas, inebriada, trespassa o escuro do quarto
cruzando céus turvos e mudos e atravessando chuvas
desfazendo-se num arco-íris inovador, surreal, um aparato
deixando cintilar a minha noite como a aurora boreal
luz dos sonhos que em mim soletras, acordas e despertas
brilho do teu olhar, arriscado, indecente, mas que parece cordato.
O teu sorriso e a tua boca descortinam e desatinam o meu corpo
centro de gravitação e agitação, morada onde te recebo
de famintos e absintos braços, que me suscitam e instigam
ao encontro dos teus, infinito, delimitado, desesperado
na longa espera de ti, soltando-se odores de jasmim no ar
entontecendo-me e enlouquecendo-me, de imediato, ao chegares.
Irei rececionar-te de corpo todo aberto, escancarado e descarado
permitindo-te penetrar em mim sem qualquer sussurro
com a firmeza e dureza do teu caule, incêndio do teu espírito
que nos implora, sacode, consome e devora pela noite fora
onde te apoderarás de mim como esconderijo até à eternidade
abrigo que enalteces e onde fenecerás de livre e espontânea vontade.
Hoje, esta noite, irás possuir-me, sentir-me e tomar-me como tua
como se o meu corpo fosse secreto e nunca por ti aberto
lugar de loucuras e aventuras lascivas, incríveis e permissivas
qual terra brava e imaculada, que se abre à sementeira
nesse prazer de te ter, pertencer-te, algo particular, só meu
onde serei consumida e extinguida como fogo em selva trancada
como água que a sede mata, mas inexplicavelmente não farta
uma dependência, um vício que o corpo suplica, exige e tanto precisa.
Esta minha pele com estes sinais escurinhos, levianos, moreninhos
deixam a tua alma à toa e o teu corpo em reboliço, é feitiço
que te demonstra não teres mãos suficientes para me reteres
nem corpo, nem pujança razoável para possuíres tudo
tudo aquilo que eu sou e que querias tanto abarcar e ficar
mas mesmo assim, aconselho-te a manteres a firme esperança
de conseguires ter de mim, um sinal diferente, de luz
uma lembrança viva, fincada e exclusiva, da minha passagem por ti.
Quem sabe lá! O mundo dá tantas voltas, assim afirma toda a gente
mas nada é para sempre. Não desistas! Continua a amar-me
a insistir na conquista, usando todas as armas mais que previstas
pois a tua princesa, como me chamas com ternura e noção
pode ser que, um destes dias, perca o jeito, a palavra de rainha
e entre na tua teia, tão bem urdida e merecida, e deixe lá o coração.
CÉU