sexta-feira, 14 de outubro de 2016

QUEM DIRIA?

Imagino-te nu, acariciado por um lençol de linho
que perfumas com o odor da tua pele.
Paralisas-me, tiras-me a vida, por momentos
mas sorris e eu atrevo-me a sonhar e a avançar.
Enquanto o faço, mordo os meus lábios
já desidratados de desejo.
 
A pouco menos de um metro de distância de ti
pareço que estou a percorrer o infinito
numa encenação dramática, que não sei parar.
Não desviando o olhar, atrais-me, inclemente
como polo positivo atraí o negativo
desarmando-me o raciocínio. 
 
A um passo da cama, puxas-me, abruptamente
e caímos os dois num beijo prolongado
lindo e há tanto esperado. Já o merecíamos.
Arrepias-me com as tuas mãos frias, dementes
tirando-me a roupa, que estraçalhas
espalhando-a pelos cantos.
 
O cenário não podia ficar mais tórrido e calórico
quando numa atitude de adolescente
atiras as minhas roupas pequeninas e íntimas
para a lareira, que crepitava como nós.
As chamas, dela e nossas, inventaram cores
que sublimaram as do arco-íris.
 
O apetecer e o prazer estavam já criados, agitados
os corpos abriam-se, cediam à tentação
suados e encharcados, roçavam-se um no outro
fazendo desatar um furacão de ternura
enquanto os móveis, os quadros e os retratos
abriam a nossa fome desordeira.
 
Isso, pouco ou nada nos importou, nem atrapalhou
pois queríamos viver o momento único.
Quantos cabelos meus foram afagados, puxados
pelas tuas mãos ansiosas e impiedosas?
Quantas promessas, quantas juras de loucura
fizemos arrebatados de paixão?
 
Quiseram-se então estilhaçar num ápice, no clímax
em que os gemidos agudos, lânguidos
deram continuidade às cinzas da nossa entrega.
Nada mais existia. Ficámos cegos de amor
naquele jogo de sedução, cumplicidade e doação
jurando por Deus, a eternidade.
 
Amor, estou pronta! Envolvida num lençol de linho
guardo no pescoço o colar que me deste
naquele dia, do nosso primeiro e único encontro
adornando com ele a minha pele.
Não mo tires! Rogo-te, suplico-te! Não me deixes!
Deixa-me voltar a mim, a ti!
 
Dizes que já me não amas e até que me esqueceste.
Quem diria? Peço-te, então, um favor!
Repete, repete lá isso, em alto e bom som
para eu acreditar, meu amor!
 
 
CÉU

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

SIM!

Naquele quarto, iludido, paraíso onde preparei a noite
dei pela tua entrada, silenciosa, desejosa, conivente
de respiração prudente, ou melhor, quase ausente
enquanto o coração parecia querer saltar-me do peito
fugindo, trepando, galgando, esmagando-me a boca
que travou aquele insubordinado e tarado, a tempo
com um engolir prolongado, tão seco e descontrolado
que decerto metia dó e faria piedade a toda a gente
encostando-me, eu, por instinto, à parede alarmada
no cantinho mais recôndito e menos acessível da porta.

E agora? O que me espera? O que farei?
Não importa! Estou prestes a reencontra-lo
naquela magia tântrica dos meus olhos
e na loucura sadia da minha cegueira.

Com o tato penetraste e violaste o escuro. Achaste-me.
Não falaste, mas ouvi a tua voz no meu corpo todo
no mais comunicativo, doce e convidativo silêncio
que se soltou ao toque dócil e tórrido das tuas mãos
habituadas, sabedoras, experientes, conhecedoras.
Vem! Não tenhas receio, disseste, muito baixinho
incitado pelo desejo, tão desorientado e desidratado
e a tua respiração, tão perto da minha, pobrezinha 
sentia-a, obtinha-a, guardava-a, comia-a, possuía-a
sem ao menos dar a entender, sugerir, avisar ou pedir.

E se eu avançasse um passo? Seria bom?
Hum! Quero descobri-lo de olhos fechados 
embora de sentidos já desacostumados
destas movimentações e destas lides.

Beijaste, seguraste as minhas mãos frias com as tuas
aumentando, gradualmente, o livre aperto, o cerco
e quando já quentes, aninhaste-as numa das tuas
e com a outra, observaste linhas visíveis e invisíveis
as teias, formas de relevo e o pulsar das veias.
Permaneci quietinha, não ousando retirar as mãos
liberta-las, dar-lhes inteligência e independência
mas, também não saberia bem o que fazer com elas
com o corpo e com a cabeça, assim, tão trouxa-mocha
no entanto, os pensamentos tinham orientação e vastidão.

Estás calma? Estou! Continuo a confiar em ti.
Confusa? Talvez! Sinto vertigens e náuseas
como quando sou apanhada de surpresa
por algo excelente, que não espero. 

Conduziu as minhas mãos ao seu corpo inteiro, primeiro
percorrendo com elas o que estava saliente, quente
e eu, de repente, dei-lhes liberdade incondicional
como as aves fazem às crias, quando já sabem voar
sem raciocinar, sem prever consequências, sem parar.
Toquei-lhe e afaguei-lhe os lábios, já descolados
fiz uma festa leve no queixo e nas faces acaloradas
ascendi-lhe aos olhos, fiz tranças das suas pestanas
contornei-lhe, atrevida e enlouquecida, as sobrancelhas
acetinadas, chamativas, esfomeadas, desamparadas
e penetrei os seus cabelos com dedos ingénuos e ternos.

Um rosto aprazível? Sim, de homem perene.
Pele vincada? Um bocadinho, mas muito cuidada.
O cabelo menos farto, mais sedoso e curto
tal como o imaginava e desejava.

Enquanto lhe desbravava e conquistava o sereno rosto
ele, descontroladamente, deu um passo em frente
descendo-me as mãos pelos braços e antebraços
parecendo querer afagar e apreciar cada átomo meu
numa química paranormal, única e transcendente.
Embrulhou-me os ombros, desceu lentamente às axilas
continuou a suave caminhada pelo tórax e abdómen
que, de tão acariciado, se tumultuou, abriu e revelou
e travando-me na cintura, que como prostituta, se deu
sem quês, nem porquês, sem pensar e sem sequer hesitar.

Não sabia eu que o meu peito era tão arfante!
Ah, quanta perturbação! Mais êxtase e excitação.
Os gestos, os murmúrios daquelas carícias
desconcentraram-me e motivaram-me.

Puxou-me para ele devagarinho e abandonou-se em mim
mantendo-me atada, presa e escravizada pela cintura
ficando eu a sentir o seu corpo inteiro, todo, uma doçura
enquanto as minhas mãos hábeis souberam, intuitivamente
como atuar, as tarefas a cumprir e sobretudo fazer sentir.
Assim, desceram-lhe pela nuca e massajaram-lhe as costas
repousando nelas, alguns momentos, e depois no peito
que senti estremecer ao alisar os pelos louros e espaçados
tal como dantes, quando a camisa de linho desenvolta
se abria, despudoradamente, assim, tão livre, louca e solta.

Tenho de agradecer ao escuro daquele quarto
por ser impossível ver as vontades do meu olhar
o rubor, os desejos, ah, tanto furor em mim
que ele sentiu, sem luz, mesmo assim.

O meu corpo, inteirinho, maluquinho, estava alerta, agora
pois os estímulos eram enviados, recebidos e captados
com uma racionalidade, que era mais que animalesca
enquanto a perceção, por contacto, ia-me tomando
poro a poro, causando-me fomes e anseios arrasadores.
Senti-lhe um leve tremor das mãos e eu tremi em sintonia
fechando os olhos, fervilhando num arrepio, abrasador
deixando eu fugir, sem querer, um gemido brando e tanto
estremecendo, quando ele me beijou e chupou os seios 
num gesto, quase loucura, mais que devaneio, todo procura.

Continua com um corpo bonito, como dantes
e nem eu mesma sei como consigo resistir a isto
pois a carga dos sentidos é tão devastadora
que receio deixar de pensar. Receio!

Comportei-me, como dantes, como outrora.
Não fui capaz, não consegui ser senhora de mim.
Mas, quem resiste a tanto chamamento, ora?
Se estiver inanimado, ah, pois, só assim!

Com o seu rosto subtil, tocou, afagou e lambuzou o meu
e os seus lábios, rosados, carnudos, fartos e ousados
delinearam todos os meus contornos, mas que perfeição
incendiaram a minha pele e apanharam-me a boca, a jeito
num beijo que a fechou e que quis aprofundar e prolongar.
Uniram-se, cruzaram-se e fundiram-se os cheiros e sabores
transpirações, intenções, amores passados e respirações
que, finalmente, se libertaram e se explicaram, sem demora
regressando o encanto daquela voz, que tantas vezes ouvi
roubando-me, espontaneamente, um grande e convicto sim
guardado na garganta, há muitos, muitos anos, enclausurado.

Não faz mal, não tem importância, dissemos!
Já nos conhecemos há tanto tempo. Continuaremos!
A voz dele, rouca, do ex. cigarro companheiro
trespassou a minha, num efusivo beijo.


CÉU 


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