sábado, 21 de fevereiro de 2015

CÂNTICO BRANCO

"Vem por aqui" - digo-te, terna e mansamente
enquanto abro os braços, num vasto abraço
quase certa de que seria muito bom para ti
se me desses ouvidos, se me escutasses.
Quando te digo, docemente: "vem por aqui"
olhas-me, vaga e desprendidamente
(há, nos teus olhos, um mar de sargaços) 
enrolando os braços, vazios, desencontrados
e nunca vais por ali…
Julgas que a tua vitória, é, convictamente
gerar desentendimento, mágoa, sofrimento
não estender a mão a quem dela precise
porque tu vives nessa angústia, nessa dor
desde que abriste os olhos ao mundo, amor.
Dizes não, não vou por aí!
Só vais por onde te levam os teus pés…
e se quando perguntas, ninguém te responde
escusado será dizer-te, sempre, "vem por aqui"!
Assim, preferes cair nos becos enlameados
rodopiar nos ventos das destemperanças
dilacerares-te nas navalhas da insegurança
como um trapo, como um humano farrapo
a ires por ali…
Pensas que vieste a este mundo padrasto
para que uma mulher fosse desflorada
para espezinhares este árido chão
pois tudo o que fazes, afirmas, não vale nada.
Portanto, como poderão os outros, os tais
aconselharem-te meios, darem-te forças
para que possas derrotar o teu Adamastor?
Circula nas veias desses, sangue sem ideais
e esses gostam de situações fáceis
enquanto tu, adoras o Desconhecido, a Ilusão
a Aventura, a Viagem, que pode não ter volta.
É melhor que partam, que te deixem, pedes-lhes
pois eles têm casa, mesa, país e jardins sem fim
têm vontades, vaidades e alegrias mascaradas
têm leis obsoletas, apropriadas, intelectualizadas 
enquanto tu possuis e preferes a tua Demência
que te faz sentir diferente, consciente e genuíno
nesta convenção, neste tratado, nesta aparência.
Só Deus e o Seu mas sábio anjo gerem a tua vida
somente a eles e a mais ninguém a entregaste
e só a eles cedes, e tão cegamente, obedeces 
pois todos os outros tiveram mães, tiveram pais
mas tu que acreditas, não ter princípio nem fim
como alguém inadaptado, fora do jogo, alheado
que nasceu do (des)amor entre o Bem e do Mal
suplicas, ciente, que ninguém te dê indicações
que ninguém te questione, te peça explicações
"Que ninguém te diga: "Vem por aqui"
porque a tua vida é um temporal, que se desatou
é uma vaga gigante e dantesca, que te abalroou
é algo muito pequenino, que se alvoroçou
e não sabes, por isso, por onde ir
e não sabes, por isso, para onde ir
mas sabes, por isso, que não irás por ali.
Então, e se assim é, fica comigo, aí ou aqui.

(Versão oposta ao poema "Cântico Negro" de José Régio)


CÉU 

32 comentários:

  1. Olá Céu!
    Gostei muito do poema.
    Muitas vezes as pessoas teimam em não seguir o caminho sugerido pelos outros só porque sim. Outros são do contra. Outros ainda acham que não merecem a felicidade e por isso ir para o "bom caminho" é bom demais para ser verdade. Seja como for, é sempre bom ter quem estenda a mão porque um dia, quem sabe.possa finalmente ficar.
    Bom fim-de-semana.
    Beijinhos

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  2. Boa noite Céu.
    Um lindo poema, só mesmo nos mesmo podemos escolher o nosso caminho.
    Um lindo domingo.
    Beijos.

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  3. Que bela música nos versos de seus poemas, que sentimentos pungentes...!
    É um prazer lê-los, pois parecem ter brotado espontaneamente do coração, e nos envolvem com sua humana doçura.
    Um abraço, e muito obrigado pela visita!
    Bíndi e Ghost

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  4. Olá, Boa tarde, Céu
    Comigo, tudo na paz, sim!
    ... o indivíduo pode construir o seu próprio destino pessoal. Isso traz o sentimento de solidão, pois nada está pronto , nem sempre teremos apoio , não sabemos por onde ir, nem para onde ir , mas , tudo deve ser construído
    individualmente, porque sabemos que não iremos por ali e a partir de nosso afastamento e insubordinação à norma vigente a ao padrão de relações sociais , os vínculos se tornam frágeis, bem haja, que tenhamos alguém que estenda a mão e fique conosco,aqui ou aí...
    Agradeço pelo carinho, belos dias, beijos!

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  5. belíssima e original recreação do "Cântico Negro"
    e entre o Branco e o Negro meu coração balança...

    um prazer grande "ver-te" lá no meu relógio...

    beijo

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  6. Um sujeito que se acha dono de si e do mundo. Não imagina que nunca poderá ser uma ilha...
    Texto doce, sensível, profundo...
    Céu, beijos!

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  7. Verdadeiramente tocante, Céu!
    Régio retrata a opção mais simplória,que a maioria das pessoas toma,
    respaldadas na revolta, na desesperança que lhes enche o coração,
    devido a suas condições pessoais, não atentando que o mundo não
    está ao léu e Deus é sempre justo.
    Teu cântico representa, não só a mãe e o pai que ele implicita não ter
    tido, mas um amigo, uma companheira, um professor,um mendigo até,
    que sempre aparecem para oferecer uma boa recomendação e uma
    indicação do melhor caminho a seguir.
    (Sempre me surgiram estas figuras e eu lhe dei ouvidos).
    Belo post!
    Beijos.

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  8. Gostei muito da tua versão.
    E sei que não é nada fácil fazer isto a um poema tão marcante como este.
    Tem uma boa semana, querida amiga Céu.
    Beijo.

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  9. Uma versão muito criativa e bem conduzida do Poema "Vem por aqui". Nada fica a desmerecer o valor original.
    Parabéns, Céu.



    Beijos



    SOL

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  10. Olá, Céu, vim conhecer seu espaço, suas postagens e agradecer sua linda visita.
    Esteja certa que frequentarei seu blog com muito gosto, pois já saio encantada com os belos textos que li, de uma sensibilidade ímpar.
    Um grande abraço aqui do sul do Brasil!

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  11. Pensei ter lido mal ao ler 'branco'. Afinal é mesmo branco.

    É um dos meus poemas preferidos de sempre, o de José Régio. Um mestre.

    Gostei da tua audácia.

    beijinhos

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  12. Uma ideia muito curiosa esta de desmontar o poema de José Régio.
    Ficou supimpa!
    Boa semana!

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  13. Parabéns, Céu!
    Excelente trabalho poético.
    Ouvi a interpretação do Cântico Negro e o Cântico Branco, em forma de versão, ficou formidável.

    Obrigada pela gentil visita ao meu recanto.

    Beijo.

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  14. Un texto muy creativo.
    Cordial saludo y feliz semana.
    Ramón

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  15. Si alguien te llama, te abre sus brazos y hay verdadero sentimiento de cariño y amor, correría para abrazarlo aunque sólo fuese por corresponder a su buena intención.
    Me ha encantado tu poema.
    Pero mi intención era venir para agradecer tu visita y las letras que has dejado en mi espacio.
    Puedes volver cuando gustes, siempre te recibiré con cariño y te contestaré.
    De momento, te deseo que disfrutes de un buen fin de semana y aprovecho para dejarte un fuerte abrazo en el corazón.
    Kasioles

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  16. Só me resta dizer:
    Maravilhoso!
    Fiquei, verdadeiramente, fascinado com tão belo poema.
    Não há oposto os dois se completam,

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  17. O Cântico Negro tem inspirado muita gente! Aí está uma prova!

    Beijinho para si!

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  18. Boa tarde Céu!

    Ficou uma obra prima tua versão.
    Belíssimo Cântico Branco!
    Não é fácil construir uma versão contrária suave, de um poema tão forte quanto o Cântico Negro de José Regis. ((O Poeta se- a c h a v a- o tal)).
    Deixo um beijo e um punhado de sorriso!

    Uma ótima semana☺

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  19. Boa noite, Céu.
    Deslumbrante, branco com muita luz.
    Boa semana.

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  20. Há quem só aprenda trilhando o caminho por onde o levam os próprios passos.

    Bj

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  21. Está bem, então. Fico. Ou melhor, vou mas volto. :)

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  22. Um cântico iluminado ! Neste o céu não esta ausente ...Perpetua-se sempre ,por onde vai ...Belíssimo ! Bravo !

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  23. maravilloso idioma
    lo sobrentendi
    no pude traducirlo
    un beso

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  24. Não conheço o "Cântico Negro" ao qual se referiste, no entanto, digo que a tua versão levou-me à deslumbre; sinceramente, gostei muito. Usaste de criatividade elogiável, além, é claro, da evidente e admirável capacidade descritiva.
    Beijo.

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  25. Já tinha visto o Régio de muitas formas
    nunca o negro em branco como o tornas.

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  26. Oi Céu!
    Li seu post "Pergunta", mas como lá não são permitidos novos comentários, vim deixar o meu aqui rsrs.
    Foi mais um poema detalhado, erótico e no final o "suspense" rsrs. Acredita que eu ainda ficaria em dúvida sobre a resposta?

    Abração esmagador minha querida.

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